O
massacre de Monte Tchota, em Cabo Verde, é o pior de que há memória no país
Um massacre
é sempre um massacre. Mas muito se especulou sobre o assassínio de onze pessoas
no posto militar de Monte Tchota, em Cabo Verde.
Cabo Verde
teve direito aos seus cinco minutos de fama esta terça-feira. Esteve no radar
da imprensa, abriu noticiários de rádios e de televisões, teve lugar de
destaque nas edições online dos principais jornais. Todos sabemos que quando
isso acontece com um pequeno país nunca é pelas boas razões. Cabo Verde teve
direito aos seus cinco minutos de fama porque houve um massacre em Monte
Tchota, um posto militar em São Domingos, a cerca de 25 quilómetros da capital.
As primeiras
informações sabiam a pouco. Vamos por pontos. Ponto um: foram encontrados onze
corpos atingidos por disparos de espingardas automáticas AKM. Ponto dois: dos
onze mortos, oito eram militares e três civis. Ponto três: dos três civis
assassinados, dois eram de nacionalidade espanhola. Ponto quatro: um militar
continuava desaparecido. Ponto cinco: as autoridades montaram um perímetro de
segurança em torno do aquartelamento e tentavam perceber o que tinha realmente
acontecido.
Estes eram
os factos. Os factos conhecidos. Factos no entanto muito escassos para
alimentar a gula das redes sociais. E foi neste chão que cresceu a especulação,
é tido e sabido que no Facebook e afins todos somos um pouco jornalistas, um
pouco investigadores do CSI. A imaginação e a criatividade vieram ao de cima. O
puzzle estava incompleto mas ninguém quis saber. Ninguém quis saber que a chave
poderia ser o tal soldado desaparecido, o mesmo que, soube-se horas mais tarde,
teria cometido aquele ato tresloucado. Mas isso foi mais tarde, tarde demais,
quando as versões, e as opiniões, eram mais do que muitas.
A primeira
versão implicava as redes de narcotráfico que operam no país. Cabo Verde está
na rota do tráfico de drogas, isso não é segredo para ninguém, e os traficantes
mostram os dentes de cada vez que as autoridades lhes desferem um golpe. Dois
exemplos: em dezembro de 2014, o filho do então primeiro-ministro foi baleado
numa das ruas da cidade da Praia. Em setembro do mesmo ano, a mãe de uma
inspetora da Polícia Judiciária empenhada na luta contra a droga foi
assassinada por desconhecidos. Num caso não foram encontrados culpados mas
parece evidente que se tratou de retaliação devido ao caso “Lancha Dourada”,
uma operação policial onde foi apreendida tonelada e meia de cocaína numa cave
no centro da capital.
A ser
verdade que o narcotráfico estava por detrás do massacre de Monte Tchota seria
uma escalada sem precedentes. Monte Tchota é uma guarnição militar responsável
pela segurança de um dos pontos mais nevrálgicos do país – é ali que se
encontram as antenas de telecomunicações da Cabo Verde Telecom, da polícia e da
empresa de segurança aérea. Um “apagão” em Monte Tchota teria repercussões em
todo o país, era um golpe fatal no coração do próprio regime democrático.
Uma outra
versão que chegou a circular nas redes sociais era que “uma das explicações
mais prováveis pode ser um ato terrorista”. Foi mesmo escrito que um soldado e
um cabo de plantão em Monte Tchota teriam sido recrutados por extremistas. Mais
uma vez foi falso alarme. É verdade que Cabo Verde tem sido poupado pelas redes
terroristas. E tem lucrado com os ataques suicidas realizados em países que
concorrem diretamente no turismo, como é o caso da Tunísia e do Egipto. Mas daí
até falar em ato terrorista no aquartelamento parece-me um exagero. Mas todos
os cuidados são poucos, já que, segundo uma fonte militar contactada pelo Expresso, “há muitos fatores que vêm propiciando o avanço
do terrorismo” em Cabo Verde.
Mas deixemos
as especulações e voltemos aos factos. Aos pontos que contam. Ponto um: a
polícia deteve esta quarta-feira, de tarde, o militar Manuel António, mais
conhecido por “Antany”. O único suspeito do massacre encontra-se na esquadra da
Achada de Santo António e vai ser presente ao tribunal da comarca da Praia para
aplicação da medida de coação. Ponto dois: o militar já confessara à família –
que se encontra sob proteção policial para evitar possíveis vinganças – ser o
autor material do crime mas não explicou os porquês. Ponto três: com ou sem
envolvimento do narcotráfico, com ou sem envolvimento de redes terroristas, um
massacre é um massacre e o de Monte Tchota matou onze pessoas. Ponto quatro: o
governo da Praia, que enfrentou a sua primeira prova de fogo desde que assumiu
funções no final da semana passada, decretou dois dias de luto nacional. Ponto
cinco: apesar de ainda nem sequer terem aquecido as cadeiras do poder, os novos
governantes souberam lidar com um acontecimento inédito na história do país. E
esta bem poderá ser a primeira grande lição desta tragédia.
O civil
de nacionalidade cabo-verdiano chama-se Danielson Reis Monteiro, natural de São
Vicente. Os restantes dois são de nacionalidade espanhola, chamam-se Angelo
Martinez Ruiz e David Sanches Zamarreño.
Os militares mortos no
massacre são Nelson Neide de Brito, da ilha da Brava, Romário Steffan Dias
Lima, de S. Antão, Marilson Adérito Delgado Fernandes, da ilha de Santiago,
Adérito Silva Rocha, de Santiago, Anacleto Lopes dos Santos, de Ribeira Grande
de S. Antão, José Maria Correia Ribeiro, de Santiago, Mário Stanick Fernandes
Pereira, de Santiago e Wilson Ramos Mendes, de Santiago.
Com expresso.sapo.pt
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