quinta-feira, 28 de abril de 2016

A história de um massacre num país onde nada acontece

O massacre de Monte Tchota, em Cabo Verde, é o pior de que há memória no país
Um massacre é sempre um massacre. Mas muito se especulou sobre o assassínio de onze pessoas no posto militar de Monte Tchota, em Cabo Verde.



Cabo Verde teve direito aos seus cinco minutos de fama esta terça-feira. Esteve no radar da imprensa, abriu noticiários de rádios e de televisões, teve lugar de destaque nas edições online dos principais jornais. Todos sabemos que quando isso acontece com um pequeno país nunca é pelas boas razões. Cabo Verde teve direito aos seus cinco minutos de fama porque houve um massacre em Monte Tchota, um posto militar em São Domingos, a cerca de 25 quilómetros da capital.

As primeiras informações sabiam a pouco. Vamos por pontos. Ponto um: foram encontrados onze corpos atingidos por disparos de espingardas automáticas AKM. Ponto dois: dos onze mortos, oito eram militares e três civis. Ponto três: dos três civis assassinados, dois eram de nacionalidade espanhola. Ponto quatro: um militar continuava desaparecido. Ponto cinco: as autoridades montaram um perímetro de segurança em torno do aquartelamento e tentavam perceber o que tinha realmente acontecido.

Estes eram os factos. Os factos conhecidos. Factos no entanto muito escassos para alimentar a gula das redes sociais. E foi neste chão que cresceu a especulação, é tido e sabido que no Facebook e afins todos somos um pouco jornalistas, um pouco investigadores do CSI. A imaginação e a criatividade vieram ao de cima. O puzzle estava incompleto mas ninguém quis saber. Ninguém quis saber que a chave poderia ser o tal soldado desaparecido, o mesmo que, soube-se horas mais tarde, teria cometido aquele ato tresloucado. Mas isso foi mais tarde, tarde demais, quando as versões, e as opiniões, eram mais do que muitas.

A primeira versão implicava as redes de narcotráfico que operam no país. Cabo Verde está na rota do tráfico de drogas, isso não é segredo para ninguém, e os traficantes mostram os dentes de cada vez que as autoridades lhes desferem um golpe. Dois exemplos: em dezembro de 2014, o filho do então primeiro-ministro foi baleado numa das ruas da cidade da Praia. Em setembro do mesmo ano, a mãe de uma inspetora da Polícia Judiciária empenhada na luta contra a droga foi assassinada por desconhecidos. Num caso não foram encontrados culpados mas parece evidente que se tratou de retaliação devido ao caso “Lancha Dourada”, uma operação policial onde foi apreendida tonelada e meia de cocaína numa cave no centro da capital.

A ser verdade que o narcotráfico estava por detrás do massacre de Monte Tchota seria uma escalada sem precedentes. Monte Tchota é uma guarnição militar responsável pela segurança de um dos pontos mais nevrálgicos do país – é ali que se encontram as antenas de telecomunicações da Cabo Verde Telecom, da polícia e da empresa de segurança aérea. Um “apagão” em Monte Tchota teria repercussões em todo o país, era um golpe fatal no coração do próprio regime democrático.

Uma outra versão que chegou a circular nas redes sociais era que “uma das explicações mais prováveis pode ser um ato terrorista”. Foi mesmo escrito que um soldado e um cabo de plantão em Monte Tchota teriam sido recrutados por extremistas. Mais uma vez foi falso alarme. É verdade que Cabo Verde tem sido poupado pelas redes terroristas. E tem lucrado com os ataques suicidas realizados em países que concorrem diretamente no turismo, como é o caso da Tunísia e do Egipto. Mas daí até falar em ato terrorista no aquartelamento parece-me um exagero. Mas todos os cuidados são poucos, já que, segundo uma fonte militar contactada pelo Expresso, “há muitos fatores que vêm propiciando o avanço do terrorismo” em Cabo Verde.

Mas deixemos as especulações e voltemos aos factos. Aos pontos que contam. Ponto um: a polícia deteve esta quarta-feira, de tarde, o militar Manuel António, mais conhecido por “Antany”. O único suspeito do massacre encontra-se na esquadra da Achada de Santo António e vai ser presente ao tribunal da comarca da Praia para aplicação da medida de coação. Ponto dois: o militar já confessara à família – que se encontra sob proteção policial para evitar possíveis vinganças – ser o autor material do crime mas não explicou os porquês. Ponto três: com ou sem envolvimento do narcotráfico, com ou sem envolvimento de redes terroristas, um massacre é um massacre e o de Monte Tchota matou onze pessoas. Ponto quatro: o governo da Praia, que enfrentou a sua primeira prova de fogo desde que assumiu funções no final da semana passada, decretou dois dias de luto nacional. Ponto cinco: apesar de ainda nem sequer terem aquecido as cadeiras do poder, os novos governantes souberam lidar com um acontecimento inédito na história do país. E esta bem poderá ser a primeira grande lição desta tragédia.

O civil de nacionalidade cabo-verdiano chama-se Danielson Reis Monteiro, natural de São Vicente. Os restantes dois são de nacionalidade espanhola, chamam-se Angelo Martinez Ruiz e David Sanches Zamarreño.
Os militares mortos no massacre são Nelson Neide de Brito, da ilha da Brava, Romário Steffan Dias Lima, de S. Antão, Marilson Adérito Delgado Fernandes, da ilha de Santiago, Adérito Silva Rocha, de Santiago, Anacleto Lopes dos Santos, de Ribeira Grande de S. Antão, José Maria Correia Ribeiro, de Santiago, Mário Stanick Fernandes Pereira, de Santiago e Wilson Ramos Mendes, de Santiago.

Com expresso.sapo.pt

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