segunda-feira, 11 de maio de 2015

1460-2015, 555 Anos depois do “Achamento” das ilhas de Cabo Verde – Condições, Significado e Consequências

O fenómeno: Descoberta ou achamento?

Descoberta advém do termo «descobrir» e é utilizado, no contexto da expansão europeia, numa perspetiva eurocêntrica, por que no caso do Brasil, mesmo tendo os navegadores europeus encontrado primitivos povos do território a habitá-lo, consideram-se descobridores.

Achamento é entendido como ação ou efeito de achar, tomado também como descobrimento. Seja um ou outro conceito, encerra uma visão eurocêntrica dos contatos entre a europa e o resto do mundo sendo por isso, (uma e outra perceção do fenómeno), discutíveis.


Os protagonistas, as datas e as hipóteses explicativas mais credíveis que explicam as condições do “Achamento” das ilhas.

1. As condições (a partir de dados do problema e das várias hipóteses de «achamento» das ilhas).

As hipóteses de um conhecimento muito antigo das ilhas.

Há esforços de certos investigadores com tentativas de se ir mais longe nas considerações sobre datas e protagonistas que se envolvem num conhecimento das ilhas muito antes dos portugueses:

A ideia das ilhas de Cabo Verde terem sido conhecidas desde a Antiguidade (Gregos).

A probabilidade de terem sido frequentadas por navegadores árabes também muito antes do Século XV.

A documentação, coligida sobre estas possibilidades é suspeita por que muitas vezes apresentam fortes limitações (BALENO, 2001).

Como não há uma explicação científica credível quanto às possibilidades colocadas…

A tendência é para admitirmos que há um contexto na época moderna (século XV) mais bem estudado, que é o ligado à história da expansão quinhentista europeia (Século XV) onde podemos enquadrar, com mais certezas, a descoberta ou achamento das ilhas de cabo Verde, incluindo a de Santiago.

Nesse contexto e no caso português há todo um esforço, em atingir novas terras no século XV em várias etapas navegando-se no Atlântico:

•1415 -Tomada de Ceuta, importante entreposto comercial no norte da África;1427-Ocupação das ilhas da Madeira e Açores no Atlântico;1434-Chegada ao Cabo Bojador;1445 -Chegada ao Cabo Verde – ponto geog. Próximo do senegal (Vicente Dias);

•1456-58 – Viagens de Cadamosto

•1460-62 – Aportarem da ilha de Santiago e das ilhas mais a oriente e mais a ocidente por António de Noli, Digo Gomes e Diogo Afonso.

•1487 -Transposição do Cabo da Boa esperança (Bartolomeu Dias);1498 – Chegada à Índia (Vasco da Gama) 1499-1500-Viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil.

Os protagonistas, as datas e as hipóteses explicativas no contexto expansionista português do século XV

A ordem cronológica dos protagonistas

Os navegadores mais modernos que, de modo expresso, se incluem como possíveis descobridores da ilha de Santiago e das restantes ilhas de Cabo Verde, no contexto expansionista português, no século XV referem-se, na ordem cronológica, aos nomes de:

a)    Vicente Dias (1445)

b)   Luís de Cadamosto (1456)

c)    Diogo Gomes (1460-62)

d)   António de Noli (1460-62)

e)    Diogo Afonso (1460-62)

Sobre esses possíveis descobridores, coloca-se a questão de se saber qual deles foi na realidade o primeiro. Pesam as mais variadas razões e contra argumentos a favor de uns e de outros.

Prevalece até hoje a ausência de opinião unânime sobre esta matéria (datas e prováveis descobridores) entre todos os investigadores que à mesma se têm debruçado.

A)   A hipótese de um descobrimento em 1445 por Vicente Dias:

•Esta hipótese foi colocada por Fontoura da Costa e assenta-se em referências escritas disponíveis, a respeito desse navegador.

•As referencias foram escritas na crónica da Guiné de Gomes Eanes de Azurara onde, o cronista Azurara, dá conta que o mercador/marinheiro Vicente Dias participou na grande expedição organizada à costa da Guiné no ano de 1445.

•Escreve-se ainda que terá navegado, isoladamente e de modo involuntário, durante um lapso de tempo não explícito. Não alude contudo Azurara que nessa navegação tenha, o navegador, avistado qualquer ilha.

Os defensores desta tese sustentam que Vicente dias teria avistado pelo menos uma ilha;

A ilha a que se reporta é representada confusamente na cartografia da época, «ixola otinticha» -a autêntica ilha (santiago) que os críticos desta tese consideram que a distância apresentada entre a tal ilha e a costa africana, pela sua imprecisão, não parece ter sido a ilha de Santiago. Daí o esforço em ressaltar que esse navegador terá apenas passado à vista uma ilha cabo-verdiana durante o seu afastamento dos outros navios em 1445 e como tal, devia ser considerado como o verdadeiro descobridor do arquipélago nesse ano.

•Apesar de tudo, a cronica de Azurara não faz nenhuma referência a qualquer ilha eventualmente encontrada.

B)   Luís de Cadamosto

•Nas descrições feitas por esse navegador, o mesmo atribui a si mesmo o descobrimento das primeiras ilhas, na sua segunda navegação, integrando as expedições portuguesas à Costa da Guiné em 1456.

•Nas suas descrições Luís de Cadamosto caracteriza as ilhas, onde aportou, com pormenores, aparentemente absurdos, que levaram Fontoura da Costa, corroborado por Luís de Albuquerque, a considerá-los absolutamente improváveis, realçando que se as ilhas orientais tivessem sido descobertas em 1456, Portugal, através de D. Henrique (grande impulsionador das descobertas) as teria mandado povoar imediatamente, pelo menos a maior (ilha de Santiago).

•Pelo que expôs Fontoura da Costa, inclina-se pela dedução de que Cadamosto e seus companheiros não descobriram as ilhas orientais de Cabo Verde, das quais faz parte a ilha de Santiago.


CADAMOSTO, Luís de – Navegações de Luís de Cadamosto. Lisboa: Instituto para a Alta Cultura MCMXLIV, pp. 70-74.

FONTOURA DA COSTA, A, Cartas das ilhas de Cabo Verde… p. 13.

ALBUQUERQUE, Luís de, O descobrimento das Ilhas de Cabo Verde. In: História Geral de Cabo Verde Vol. I, pp. 31-35


C)    Tese de Diogo Gomes como descobridor

Diogo Gomes reúne defensores a favor da hipótese de ter sido o ele descobridor das ilhas mais oriente, tais como Santiago, mais próximas do continente africano.

Duas narrativas desse navegador referem-se ao descobrimento da Costa da Guiné e das ilhas Canárias, Açores, Madeira e Cabo Verde.

Nas suas descrições, Diogo Gomes afirma que ao navegar pelo largo na companhia de António da Noli, cada um em sua caravela, avistaram ilhas no mar. Depois de dois dias e meio de viagem. Decidiram aproximar-se.

[…] e como a minha caravela era mais veleira do que a outra cheguei primeiro a uma daquelas ilhas. Disse-lhe que queria ser o primeiro a ir a, terra e assim fiz. Não vimos aí sinal algum de homens, e chamamos a ilha de Santiago; assim se chama até hoje […] vimos, em seguida, uma das ilhas Canárias, chamada Palma, e, depois desta fomos à ilha da Madeira. Bem que eu estivesse impaciente [a caminho de Portugal].Um vento “contrairo” levou-me para os Açores. António de Noli porém deixou-se ficar na Madeira; e aproveitando-se do vento mais favorável chegou a Portugal antes de mim. E pediu a el Rei a Capitania da Ilha de Santiago, que eu tinha “descoberto” e el Rei lha deu […].

PEREIRA, Gabriel -As Relações de Diogo Gomes. In: Boletim de Geografia de Lisboa, 17ª Série, nº 5. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899, pp.272-28.

Os relatos de Diogo Gomes permitem constatar que terá sido ele quem descobriu, em 1460, possivelmente, a1 de Maio, dia santo de Santiago e S. Filipe, a primeira das Ilhas de Cabo Verde a qual, com os seus companheiros, denominou Santiago.

Na opinião de Fontoura da Costa, este navegador chegou a Portugal a 13 de Novembro de 1460, antes do falecimento, nesse ano, de D. Henrique (grande impulsionador das descobertas). Este não refere em nenhum documento escrito ao feito de Diogo Gomes, não sendo por isso o descobridor oficial, para a coroa portuguesa.

D)   O protagonismo de António de Noli

São os próprios relatos do navegador atrás mencionado (Diogo Gomes) que revelam o protagonismo de António de Noli que, tal como relatou este, chegou a Portugal antes, apresentou-se ao rei, naturalmente como o descobridor e, como recompensa, obteve a capitania de Santiago, para o seu povoamento e exploração.

[…] Aproveitando-se do vento mais favorável chegou a Portugal antes de mim. E pediu a el Rei a Capitania da Ilha de Santiago, que eu tinha “descoberto” e el Rei lha deu […].

•O relato de João de Barros, Historiador e Escritor Português que viveu entre 1496-1570, publicado por Vitorino Magalhães Godinho testemunha o seguinte:

•[…] Neste mesmo tempo achámos também que se descobriram as ilhas a que ora chamamos do Cabo Verde por António de Nolle, Genovez de nação e homem nobre, que por alguns desgostos da pátria veio a este reino com duas naus e um barinel, em companhia do qual vinha um Bartolomeu de Nolle seu irmão e Rafael de Nolle seu sobrinho. Aos quais o Infante deu licença que fossem descobrir e, partiram da Cidade de Lisboa, foram ter no primeiro dia do mês do Maio à ilha, à qual puseram nome por que a viram em tal dia de Sant’Iago e Sam Felipe, duas que ora têm o nome destes santos […]. O relato de João de Barros contrapõe e confirma as narrativas de Diogo Gomes.

Temos o relato de João de Barros, publicado por Vitorino Magalhães Godinho em: Documentos sobre a expansão portuguesa Vol. III. pp. 288-289.

Do grupo de ilhas mais a oriente às ilhas mais a ocidente

•Perante os dados expostos parece ser lícito, até prova em contrário, considerar António da Noli descobridor oficial da ilha de Santiago e das restantes ilhas do grupo oriental do arquipélago de Cabo Verde companhia de Diogo Gomes – Constatação coletivo da História Geral de Cabo Verde.

•Para as ilhas ao grupo ocidental a documentação régia, também retira quaisquer hesitações acerca do protagonista e consagra esse feito ao escudeiro do Infante D. Fernando, Diogo Afonso, em 1462.

•As ilhas que compõem este grupo a saber: S. Nicolau e os ilhéus (Branco e Razo), S. Vicente e Santo Antão são citados juntamente, com o nome daquele escudeiro, como descobridor, na carta de doação ao Infante D. Fernando em 1462 (29 de Outubro).

O «achamento» deu lugar à colonização

•Na colonização, seguiu os mesmos métodos utilizados nos Açores e na Madeira, ou seja, a divisão das terras em Capitanias, mais tarde aplicada noutras possessões portuguesas, como viria a ser o caso do Brasil.

•A Ilha de Santiago foi assim dividida em duas circunscrições, sendo uma delas a Capitania do Sul, com sede na Ribeira Grande, entregue a António Da Noli para administração e povoamento na qualidade de Capitão Donatário.

•A Capitania Norte, com sede em Alcatrazes, foi entregue nas mesmas condições a Diogo Afonso.

2. Significado do «Achamento» da Ilha de Santiago e das restantes ilhas

Particularmente ligado à ilha de Santiago através da Ribeira Grande…

•Segundo António Correia e Silva, o privilégio de ser Santiago, a pioneira na ocupação das ilhas, deve-se às condições económicas que se mostraram mais favoráveis, nomeadamente, a existência da enseada da Ribeira Grande (com alguma proteção natural) e razoáveis condições para os navios fundearem. Outras condições naturais foram favoráveis à fixação humana como aconteceu em muitas paragens do mundo como é o exemplo da abundância de água nas ribeiras verdejantes nesta parte sul de Santiago.

Nesta ilha nasceu uma nação que está associada à existência de uma língua comum, dos mesmos costumes, das mesmas características étnico-cultuais, com mesmos hábitos, mesmas tradições e um passado comum.

Em Santiago, se formou uma cultura: um património de conhecimentos materiais e espirituais em que se dá corpo ao sentir cabo-verdiano que fomos recebendo dos recebeu nossos antepassados, que vem recebendo sucessivas contribuições e transmitido de gerações em gerações. Um património composto por uma língua.

Na ilha de santiago, se estruturou uma sociedade. Esta nasceu da escravatura introduzida por negreiros europeus, uma faceta da história de Cabo Verde rodeada de traumas e sofrimentos, mas também que deixou heranças que se traduzem, em essência, no sentir cabo-verdiano.

Na maior ilha de Cabo Verde cimentou a religiosidade do povo cabo-verdiano, traduzida nas fortes tradições católicas. A expressão da profunda religiosidade é espelhada no grande número de edificações sacras (mais de duas dezenas, entre o templo de grande porte que é a sé, uma diversidade de igrejas e capelas bem como construções de suporte administrativo e de prossecução da difusão da fé cristã.

•Durante muito tempo (cerca de duzentos anos) Santiago e Ribeira Grande foi o ponto estratégico de referência nas rotas transatlânticas para o abastecimento das frotas, conserto de navios, descanso da tripulação e obtenção de novos alentos para a prossecução das viagens.

•Desempenhou esta ilha e as restantes o papel de entreposto comercial de escravos e outros produtos de usados no comercio internacional e deram um grande contributo ao mundo, enquanto “laboratório de homens” e difusor de culturas crioulas pelo mundo, na sua vocação para a constituição da diversidade cultural existente hoje no mundo, bem como local de aclimatação de plantas e de adaptação de animais para serem espalhadas noutras paragens.

Há um papel relevante da Ilha de Santiago e Cabo Verde na projeção de uma cultura nascida da miscigenação pelo mundo, que se forjou primeiro nesta ilha, contribuindo depois para a difusão de culturas crioulas pelo mundo.

A ilha de Santiago e Cabo Verde constituí a primeira etapa do “Novo Mundo”, ou se quisermos a rampa de lançamento para a conquista do “Novo Mundo” o que é, infelizmente, ignorado e com substanciais perdas para o arquipélago, dado que só por este facto, poderiam estas ilhas despertar mais interesse pelo menos, por parte dos povos cujas parcelas das suas origens aí nasceram

A ilha de Santiago e Cabo Verde contribuíram desde o século XV para a base de uma visão do mundo na perspetiva cósmica (globalização).
 

3. Consequências

A Europa, ao se lançar na expansão, contribuiu ainda para se romper com os mistérios relacionados com o desconhecimento do mundo antes do século XV, pois antes desse século via-se no além um complexo de enigmas que não despertou qualquer interesse.

Os europeus ajudaram na perceção de um Mundo Atlântico que transcende as margens continentais que o delimitam geograficamente, formando uma unidade histórica, ou um sistema, como preferem alguns historiadores, como Pière Chaunu. Um Atlântico pensado como factor de integração e transformação que se projetou até aos nossos dias, potencializando a ideia de rede propiciatória de novas relações entre povos fruto da intensa mobilidade entre as distintas partes do grande mar oceânico.

•A nova perspetiva do atlântico introduzida pelos europeus tornou as histórias emergentes como a nossa mais universal, ajudando na comparação de práticas locais com práticas semelhantes, difusas em outros espaços do globo (Norte/Nordeste brasileiro, por exemplo, e outros espaços do Novo Mundo), a partir do continente africano, com uma forte participação das ilhas de Cabo Verde.

•A ação dos europeus, permitiu o trânsito de culturas, ideias, arte, instituições e mercadorias a partir do século XV, com expressão dessa realidade em Cabo Verde.

•Tais mudanças não se fizeram sem que houvesse confrontos em situações de conflito tal como ocorreu por ocasiões das várias revoltas que tiveram lugar com mais força nesta ilha de Santiago, não tendo promovido, a ação dos europeus, as bases para a saída do subdesenvolvimento em lugares como Cabo Verde.


Texto gentilmente cedido por Lourenço Gomes – Historiador e Docente Universitário.

 
Bibliografia

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Ki-zerbo, Joseph –História da África Negra, Vol I;

Magalhães Godinho, V. em: Documentos sobre a expansão portuguesa Vol. III. pp. 288-289;

PEREIRA, Gabriel -As Relações de Diogo Gomes. In: Boletim de Geografia de Lisboa, 17ª Série, nº 5. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899, pp.272-28;

CADAMOSTO, Luís de –Navegações de Luís de Cadamosto. Lisboa: Instituto para a Alta Cultura MCMXLIV, pp. 70-74;

FONTOURA DA COSTA, A, Cartas das ilhas de Cabo Verde… p. 13;

ALBUQUERQUE, Luís de, O descobrimento das Ilhas de Cabo Verde. In: História Geral de Cabo Verde Vol. I, pp. 31-35;

MAURO Frédéric (1993) A Expansão Europeia Editorial Estampa pp. 77 –94;

CARREIRA, António –Cabo Verde: Formação e Extinção duma sociedade escravocrata. Praia: ICLB, 1983, p. 297;

CORREIA E SILVA, António Leão –Espaço ecologia e economia interna. In: SANTOS, Maria Emília Madeira e ALBUQUERQUE Luís de (Coordenação) –História Geral de Cabo Verde Vol. I Lisboa/Cidade da Praia: Instituto de Investigação Científica Tropical de Portugal/Instituto de Investigação Cultural de Cabo Verde, 2001, pp.180 –183 e 227-236;

SENNA BARCELOS, ChristianoJosé de Senna – Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné Vol. I (Partes I e II, 2ª Edição, com comentários e notas de Daniel Pereira. Praia, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, pp. 21-22;

BALENO, Ilídio – Povoamento e formação de sociedade. In: SANTOS, Maria Emília Madeira e Albuquerque Luís de (Coordenação) -História Geral de Cabo Verde VolI. Lisboa/Praia: Instituto de Investigação Científica Tropical de Portugal/DirecçãoGeral do Património Cultural de Cabo Verde, 1991. p. 158;

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