A
Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, da Ribeira Brava de São Nicolau, foi
reconhecida pela Diocese do Mindelo como a Antiga Sé-Catedral de Cabo Verde,
num ato consumado pelo Bispo da Diocese, Dom Ildo Fortes, durante a celebração
solene da missa da Padroeira do município, que se comemora no dia 7 de Outubro.
Segundo o Bispo Dom Ildo Fortes “Hoje Festa de
N. Sra. do Rosário, num ato solene e emocionante para o povo de S. Nicolau,
fizemos o Reconhecimento da Igreja de N. Sra. do Rosário - Ribeira Brava (S.
Nicolau) como Antiga Sé Catedral.
«Foi de facto nesta ilha que, tendo acolhido os bispos a partir de 1786, mais tarde o Paço Episcopal e sede do Bispado a partir de 1867, se viria a edificar esta Igreja que serviria da Sede do Bispo, SÉ-CATEDRAL DO BISPADO DE SANTIAGO DE CABO VERDE QUE ABRANGIA AS COSTAS DA GUINÉ [...]” Suportada por uma fundamentação científica, cuja produção esteve a cargo dos eminentes professores Lopes Filho e Baltazar Neves, provou-se que de facto, em 8 de Maio de 1898, o templo de N.ª Sra. do Rosário, foi consagrado como CATEDRAL DA DIOCESE, pelo Bispo, D. Joaquim Augusto de Barros».
«Foi de facto nesta ilha que, tendo acolhido os bispos a partir de 1786, mais tarde o Paço Episcopal e sede do Bispado a partir de 1867, se viria a edificar esta Igreja que serviria da Sede do Bispo, SÉ-CATEDRAL DO BISPADO DE SANTIAGO DE CABO VERDE QUE ABRANGIA AS COSTAS DA GUINÉ [...]” Suportada por uma fundamentação científica, cuja produção esteve a cargo dos eminentes professores Lopes Filho e Baltazar Neves, provou-se que de facto, em 8 de Maio de 1898, o templo de N.ª Sra. do Rosário, foi consagrado como CATEDRAL DA DIOCESE, pelo Bispo, D. Joaquim Augusto de Barros».
Criada em 1533, a Diocese de
Cabo Verde e Guiné esteve sempre instalada na antiga Ribeira Grande da ilha de
Santiago. No entanto, devido às más condições de salubridade daquela região,
alguns bispos se mostraram reticentes em ali residirem, levando a que, em
certas épocas do ano procurassem alternativas em ilhas com melhores condições
climáticas.
Foi neste contexto que, em
1786, chegou a S. Nicolau o bispo D. Frei Cristóvão de S. Boaventura, que aí se
vai estabelecer, tentando, também, a transferência legal dos bispos e do
Bispado, da Ribeira Grande para a ilha de S. Nicolau. Este Bispo, em carta
datada de S. Nicolau, em 5/11/1788, endereçada à Rainha, expõe as carências da
Diocese e as suas aspirações, sem esquecer de referir a necessidade imperiosa
de mudar a sua sede para uma ilha mais salubre. Informa que: “do ardente e doentio do clima são
excetuadas quatro ilhas, duas povoadas, a saber: a de S. Antão e de S.
Nicolau, e duas não povoadas, a saber: a de S. Vicente e Santa Luzia”.
Embora na missiva o bispo afirme haver
uma Igreja em S. Nicolau, ao escolher este local em alternativa à Ribeira
Grande, considerou ser indispensável fortalecer a implantação da Igreja na
ilha, com a criação de novos edifícios de culto. Alerta o bispo mais adiante
que, face a necessidade de se construir uma Igreja que cumprisse dignamente a
missão de Catedral da diocese, bastaria para isso utilizar o espólio de D. Frei
Jacinto Valente, que se encontrava então na posse dos administradores da
província.
Entretanto, em resposta à
súplica do bispo, foi informado pelo reino não haver “ordens para se transferir, nem o governo, nem a Sé de Cabo Verde da
ilha de S. Tiago para a de S. Nicolau”. Porém, a Coroa permitiu que o Bispo
residisse a maior parte do ano na ilha de S. Nicolau, negando a transladação da
Sé, como consta da cópia de um Aviso expedido ao Bispo de Cabo Verde em 20 de
Outubro de 1803.
Apesar dos entraves
iniciais, acabou por ser Ribeira Brava o sítio escolhido para a instalação do
Paço Episcopal, que foi mandado construir junto à Igreja da Nossa Senhora do
Rosário. Consta também que, por decisão do Frei Cristóvão, procurando minimizar
os custos da instalação, cada família de S. Nicolau deveria colaborar com a
dádiva de uma garrafa de azeite de purgueira, cujo lucro final serviria para
cobrir despesas várias.
De se referir que
relativamente à edificação de templos, D. Fr. Cristóvão iniciou em 1789 a
construção de uma nova igreja também sob invocação de N. Sr.ª do Rosário, no
sítio da Chãzinha, igreja essa que nunca chegará a ser concluída.
O Bispo D. Frei Cristóvão de
S. Boaventura viria a falecer em 20/06/1798 e, a seu pedido, foi sepultado na
antiga Igreja de Nª Senhora do Rosário, a primeira a ser edificada nesta ilha
e, provavelmente, para uso dos primeiros párocos residentes, sendo coberta de
palha até meados do século XVIII altura em que D. Fr. Jacinto Valente promoveu
a sua recuperação e ampliação.
Primitiva localização da igreja na “Ladeira d’Greja”, onde se sepultou o Frei S. Cristóvão |
Todavia, o seu sucessor, D.
Frei Silvestre de Maria Santíssima, ao chegar à Diocese, em 1803, tendo
encontrado a Igreja Matriz de S. Nicolau praticamente arruinada decide a mudança
da mesma para outro local.
D. Fr Silvestre vai ser
responsável pela mudança da antiga Igreja Matriz da “ladeira da igreja” (nome
que o local conserva até hoje) para o principal largo da Ribeira Brava, tendo-a
aí construído com o dinheiro das suas economias pessoais e com o contributo da
população da vila. Esta construção teve início em 18 de Janeiro de 1804 e concluída
em 1811.
Aspeto da Ribeira Brava, o novo templo com apenas uma torre - a do sino. Foto: origem desconhecida |
D. Fr. Silvestre cometeu a
imprevidência de não transladar o túmulo do seu antecessor para a nova Igreja,
ficando assim os seus restos mortais dados como desaparecidos até 1942.
Todavia, a aparente situação
de tranquilidade que se vivia em S. Nicolau volta a abalar-se quando em
22/11/1813, o Bispo D. Fr. Silvestre faleceu, sendo sepultado na capela-mor da
igreja que mandou construir.
Interior da Igreja com Capela-Mor e respetivo Altar e os dois Alteres laterais. D. Frei Jacinto Valente foi sepultado na capela-mor da igreja que mandou construir – Foto de José J. Cabral |
Essa nova igreja seria mais
tarde reedificada pelo padre Miguel e por Teófilo José Dias com verba cedida
pela Irmandade do Santíssimo Sacramento.
Nova igreja, reedificada pelo padre Miguel e por Teófilo José Dias com verba cedida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento |
Acresce que S. Nicolau viria a tornar-se em algo mais que a residência
episcopal, ao obter, finalmente, em 1867, a confirmação para a instalação da
Sede do Bispado de Cabo Verde, coincidindo com a chegada do novo bispo, D. José
Luís Alves Feijó. Vai ser, de facto, neste ano, que pela primeira vez um bispo
pode assinar um documento oficial nos seguintes termos: “Dada e passada em Nossa episcopal residência da Ilha de S. Nicolau, (…)
aos 28 de Maio de 1867”.
Outro aspeto de maior
relevância para S. Nicolau foi o facto de ter sido este mesmo prelado quem teve
o privilégio de abrir o Seminário-Liceu de Cabo Verde.
Convém realçar que mais
tarde, a Igreja Matriz foi recuperada, tendo em vista as novas e mais elevadas
funções que em breve lhe seriam inerentes. Desta
vez, para servir de Sé-Catedral da diocese, vindo a ser inaugurada em 8 de Maio
de 1898 pelo Bispo D. Joaquim Augusto de Barros.
Refira-se a propósito que desta recuperação nos dá informação um
documento datado de 1894, em que se acentua o impulso dinâmico atribuído pela
intervenção de Ferreira da Silva e do povo da Ribeira Brava: “ tendo o povo da vila da Ribeira Brava da
ilha de S. Nicolau concorrido pelo seu trabalho manual e gratuito para a construção do edifício da Sé desta
diocese, seguindo por aquela forma o exemplo do digno prelado e do
Vice-reitor do Seminário-Liceu, os quais por seu turno ofertaram materiais
importantes para o mesmo fim, cooperando com as obras publicas da província
para se levar a efeito a construção daquele templo, como é conveniente para o
decoro e respeito pelos atos e crenças religiosas”.
Como demonstrado, este templo foi recuperado numa conjugação de esforços
e necessidades que mobilizaram a intervenção não só do governo da província, a
título financeiro, mas também e, obviamente, dos elementos do clero e da
população da ilha. Contudo o mesmo conserva ainda alguns lances das paredes
primitivas, como é o caso da base da torre sineira, na medida em que, na
reconstrução não foram destruídas até ao alicerce.
A outra torre que não fazia
parte da traça primitiva, foi levantada nesta altura. Segundo Ferreira da
Silva, “começou-se a edificar a Sé-Catedral em 1888, sendo consagrada em Maio de 1898, com as
mesmas dimensões que tinha a igreja antiga, obra de D. Frei Silvestre. Ficou
com mais pé direito, com o teto estocado e ornado por florões de
‘carton-pierre’, a capela-mor bem ornada de mosaicos e um altar que é obra de
arte, feito em Braga. A sacristia do Cabido e a
casa capitular estão bem ornadas para paramentos e teto estocados, tem mais
uma sacristia para o serviço paroquial, com a suficiente decência. Ficou com
duas torres, que não são muito elevadas”.
Dado que o poder
político-administrativo se centralizou de forma férrea e dominadora no
arquipélago e, para estar junto dele, o bispo D. Faustino Moreira Santos
transferiu a sede do bispado para a capital em 1943/1944.
Do
ponto de vista arquitetónico, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi
concebida segundo uma planta característica dos templos cristãos da época, mas
na cabeceira, em vez de uma cruz latina como era habitual, forma um T. Possui
duas torres laterais e no alçado principal apresenta aberturas, portas e
janelas concebidas em arco na parte superior, sendo a parte central rematada
por um frontão triangular, revelando elementos que traduzem uma estética
neoclássica.
Tem
elementos decorativos que conferem a beleza que ostenta o referido edifício,
como, por exemplo: as pilastras trabalhadas com material endógeno, as molduras
das aberturas destacando-se nas mesmas, o recurso com função de chave nos
arcos, o círculo no frontal triangular, ladeado de dois outros triângulos que,
nos dois lados do mesmo acompanham o formato circular.
Refira-se
ainda, que a abertura reservada para colocar o relógio ostenta uma moldura
também circular, como continuidade dos orifícios colocados nos coruchéus das
duas torres. Com isso quebrou-se a monotonia da parede lisa e houve uma clara
intenção, através da decoração dos vidrais das janelas com colorações
diferentes, que ao misturarem a luz penetrante no interior do edifício, atribui
ao mesmo um carácter místico e sagrado.
As
torres são ornamentadas com quatro elementos decorativos na parte superior,
dois em cada torre, constituídos por acrotério e fogaréu. Do lado direito da
torre há ainda uma cruz terminando em pináculo. Do outro lado, encontra-se
inserido no pináculo uma rosa-dos-ventos encimada pela imagem de um galo. A
torre da direita evidencia-se como uma sineira e a da esquerda ostenta um
relógio que ainda funciona.
No
interior do templo encontram-se o coro, o amplo espaço da nave principal, assim
como a capela-mor e as sacristias. A parede branca, como símbolo de pureza,
realça as decorações dos dois altares, colocados no seu topo e que foram feitos
em Braga. Merece destaque o altar-mor tendo como pano de fundo bem trabalhados
ornatos, que lembram talha dourada, encimados pelo símbolo do antigo bispado.
(Foto 4). Ainda se mantêm nos respetivos espaços laterais os assentos
destinados aos cónegos e em nível mais baixo, as bancadas utilizadas pelos
estudantes internos do antigo Seminário-Liceu.
Este
templo congrega em si três variáveis importantes: o histórico, o arquitetónico
e o simbólico. Já abordamos as duas primeiras e no que concerne ao simbólico,
para além dos aspetos decorrentes do sagrado, faz também parte da memória
coletiva das gentes de S. Nicolau a ilha ter sido a sede do Bispado de Cabo
Verde e Guiné e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário ter servido de Sé durante
quase dois séculos. Basta ter presente ser na época ainda pequena a sua
população, acrescido do facto de ser bastante significativa a presença de
muitos sacerdotes, que além da catequese e dos ofícios religiosos, foram os
primeiros mestres-escolas, o que contribuiu para a profunda religiosidade deste
povo.
Texto de:
Professor
Doutor João Lopes Filho
Professor Doutor
Baltazar Neves
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