segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A Origem da Morna Sodade (D´Nha Terra Saninclau)



Vila de Praia Branca,
Município do Tarrafal de São Nicolau
Ilha de São Nicolau
A Morna “Sodade” foi compositada na zona de Praia Branca, Município do Tarrafal de São Nicolau, ilha de São Nicolau, em 1954, aquando da partida de um grupo de emigrantes desta zona para as roças de São Tomé e Príncipe. Volvidos cinquenta anos, pode-se dizer que a Morna “Sodade” se tornou uma marca de Cabo Verde no mundo, não só pelo número de intérpretes (nacionais e estrangeiros) que a cantaram e gravaram em discos, mas sobretudo pelo seu conteúdo, tornando, assim, estas ilhas no ‘arquipélago da saudade’.

Em 1954, um grupo de quatro pessoas, a saber: José Nascimento Firmino, José da Cruz Gomes, e o casal Mário Soares e Maria Francisca Soares, todos de Praia Branca, enforma a chamada primeira “remessa” de emigrantes de São Nicolau para as roças de São Tomé e Príncipe. As despedidas musicais eram comuns na época e carregadas de emoção, pois, se a partida era uma certeza o regresso nem tanto.
 

Cartaz do "Sodad, Festival d´Morna"
Câmara Municipal do Tarrafal de São Nicolau
Aliás, o conteúdo da composição reflete precisamente esse estado de espírito. “Sodade” descreve com grande simplicidade o dilema de ter que partir e querer ficar, que sofriam os emigrantes cabo-verdianos em geral e, em particular, os contratados “semi-escravos” para as roças de cacau e café de São Tomé e Príncipe.
Daí a letra: "Quem mostrob ess caminho longe?/Quem mostrob Ess caminho longe?/Ess caminho pa SanTomé."
 

Cinquenta anos depois, a morna “Sodade” é considerada como a mais emblemática música de Cabo Verde. Hoje, esta palavra dá nome a bares e discotecas e até a revistas de música e tartarugas de Cabo Verde.
Cantada por vários intérpretes cabo-verdianos e de outras nacionalidades, “Sodade” reflecte uma das principais características do cabo-verdiano e da música de Cabo Verde: a saudade e o amor à terra e o dilema de "ter de partir e querer ficar".

Pode-se dizer que “Sodade” se tornou uma marca de Cabo Verde no mundo. Não só pelo número de intérpretes (nacionais e estrangeiros) que a cantaram e gravaram em disco, mas sobretudo pelo seu conteúdo, tornando assim estas ilhas no arquipélago da saudade.

Paulino Vieira - Músico
A morna “Sodade” é também aquela que mais deu problemas na história musical de Cabo Verde porque a música era reclamada por vários autores. A princípio estava registada como sendo de Amândio Cabral e Luís Morais. A sua autoria foi posta em causa em 2002 pelo músico Paulino Vieira, que apontou Armando Zeferino Soares como o autor da música.

O caso, que teve muita repercussão na imprensa cabo-verdiana e até internacional, chegou a ir a julgamento. Foi o primeiro caso relativo à disputa de direitos de autor que se registou no país.
"A dupla Cabral-Morais tinha-a registado na Sacem (organismo que administra os direitos autorais em França) em 1991, quando estava para sair Miss Perfumado, primeiro grande êxito mundial de Cesária Évora. Isso, depois de esta música ter sido gravada por vários outros intérpretes, entre os quais o próprio Amândio Cabral, em 1960, e o angolano Bonga, no início da década de 70", escrevia o Jornal online “A Semana”.
 
Num trabalho publicado em Maio de 2002 no jornal cabo-verdiano 'A Semana' é atribuída a Paulino Vieira a declaração de que "Sodade" é de Zeferino Soares. Paulino nasceu em Praia Branca, ilha de S. Nicolau, onde era natural Armando Zeferino Soares, mas era ainda uma criança quando a morna teria sido composta, em 1954.
 
As principais testemunhas de Zeferino Soares são os vizinhos e amigos, Mário Soares e José Nascimento Firmino, e Maria Francisca Soares confirmam a autoria. Revelaram que não estiveram presentes quando a morna foi composta mas foi a ele que a ouviram tocar primeira vez, maio de 1954, na despedida para S. Tomé e Príncipe.
 
Armando Zeferino Soares - Autor da Morna Sodade
 No final o tribunal reconheceu a autoria para o falecido Armando Zeferino Soares, muito por causa do trabalho de investigação do músico Mestre Paulino Vieira.

A decisão do tribunal que confirmou a autoria de “Sodade” a Armando Zeferino Soares aconteceu em Dezembro de 2007, mas notícia apenas foi divulgada em Fevereiro do ano seguinte (2008).


 
 
A morna "Sodade", que ganhou uma difusão universal na voz de Cesária Évora, tornou-se numa das mornas mais emblemáticas de Cabo Verde, símbolo de um período dramático da emigração para S. Tomé e Príncipe.

De "Miss Perfumado", CD gravado por Cesária Évora em 1992, e onde sobressai "Sodade", terão sido vendidas cerca de meio milhão de cópias e na meia dúzia de antologias musicais da intérprete é também obrigatório o tema cuja autoria é de Armando Zeferino Soares.
 
O tema é também um dos mais gravados tanto por artistas cabo-verdianos como por estrangeiros.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

EZILDA DUARTE ALMEIDA - Jovem cabo-verdiana que criou software de apoio a diagnóstico de cancros


 Ezil­da Duarte Almeida, 30 anos, é natural do Caleijão, ilha de São Nicolau. Mestre em Engenharia informática e com­putação pela Univer­sidade do Porto.

Ezil­da Almeida chegou a Portugal em 2004, para se licenciar­ na área da sua formação, de­pois de ter sido destacada como “aluna de mérito” em Cabo Verde. Isto rendeu-lhe, na altura, uma bolsa de estudos, no que acabou por atingir o grau académico de mestrado integrado, uma norma da universidade onde estudou.
 
 
Em 2010 defendeu uma disser­tação sobre “Algoritismo de clas­sificação com a opção de rejeição”, que teve como fundamento classi­ficar se um tumor era maligno ou benigno. “Sempre tive uma paixão em associar a área da saúde com a informática, daí o meu projeto final de curso ter sido também nessa área”, explica.

Ezil­da Almeida revela que ser engenheira informática nunca foi, na verdade, o seu so­nho de infância, mas durante o ensino secundário descobriu que, afinal, era essa a sua voca­ção. “Ao longo dos meus estu­dos secundários fui-me apaixo­nando pelas disciplinas de ma­temática, física, e chegou uma altura em que não restavam dúvidas de que o caminho a se­guir era a informática”, conta.

A entrevistada do A NAÇÃO explica que, entre outras, uma das razões que a levaram a op­tar por esta área foi saber que, ao contrário de outros cursos ponderados, a engenharia in­formática não a restringe a uma profissão ou a uma fun­ção específica para toda a vida. “Hoje agrada-me pensar que os conhecimentos que adqui­ri vão abrir-me, cada vez, mais portas em diferentes áreas e a minha vida profissional não é monótona”, afirma orgulhosa.

Antes de entrar para a INESC TEC, Ezilda Almeida fez um estágio em Business Inte­lligence (BI) na Sociedade de Transportes Colectivos no Por­to (STCP). Aqui foi responsável pelo desenvolvimento de uma aplicação de BI e i implemen­tação de alguns componentes como a criação de um relató­rio utilizando o Reporting Ser­vice. Um outro desafio passou pela criação de cubos de dados como Analysis Service e elabo­ração de ‘queries’ para SQL Ser­ver. Dessa forma, Ezilda Almei­da assegura que tem experiên­cia suficiente para trabalhar em qualquer empresa ligada à engenharia e/ou informática, de preferência, em Cabo Ver­de. “Já mandei o meu currícu­lo a várias entidades e aguardo uma resposta”, afirma. “Sinto que em Cabo Verde poderei ser mais útil, mas para isso é im­portante que Cabo Verde me queira”.

Um dia, foi desafiada pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Com­putadores do Porto (INESC TEC), onde trabalha há cinco anos, a criar um software capaz de apoiar os médicos a diagnosticarem me­lhor doenças como cancros da mama e da próstata. Desafio acei­te, desafio vencido.
Conforme contou ao A NAÇÃO, iniciou, em Setembro de 2013, o software ExpertBayes e, em De­zembro do ano seguinte, já tinha uma “versão funcional”, tendo os primeiros testes sido “excelentes” e aqueles que tiveram acesso ao software ficaram “maravilhados”.
“Os profissionais da saúde acha­ram-no fantástico, pois, em caso de dúvidas, ao fazer um diagnósti­co, o software ajuda-os na tomada de melhor decisão”, explica.

Atualmente, é investigadora/programadora na área de Desenvolvimento, Machi­ne Learning e Inteligência Artifi­cial, no Centro de Investigação em Sistemas Computacionais Avança­dos_CRACS/INESC, no Porto.

ExpertBayes, desenvol­vido por Ezilda Almeida, não é um trabalho isolado. Faz parte do projecto ABLE (Advice Based Learning) do Centro de Investigação em Sistemas Computacionais Avançados_CRACS/INESC, no Porto, de cuja equipa a nossa entrevistada faz par­te. O mesmo tem por objectivo aplicar técnicas de Ma­chine Learning (aprendiza­gem de máquina) a cuida­dos de saúde.

Embora há pouco tempo em funcionamento, e ainda alvo de melhorias, esse sof­tware teve já uma “grande projeção” a nível interna­cional, garante sua criadora. “Este software deu origem a um artigo científico e, sendo eu a autora, fui apresentá­-lo, em Dezembro de 2014, em Detroit, nos EUA, e con­segui mostrar aos outros in­vestigadores a importância desse sistema que demorou um ano a ser desenvolvido”, revela.


“O artigo, que foi acei­te na conferência interna­cional, em Detroit, foi feito assente nos resultados de base de dados reais, isto é, de pacientes submetidos a exames de rastreio dos can­cros da mama e da prósta­ta”, acrescenta.

O uso de tecnologias in­formáticas no campo da saúde é algo que todos os dias conhece novos desen­volvimentos. Os cancros da mama e da próstata são dois domínios que há mui­to concentram a atenção da comunidade científica mun­dial.
 
O facto de Elzida Al­meida saber que o seu nome está hoje associado à busca de solução para essas duas graves enfermidades é, ob­viamente, algo que muito enche de orgulho essa cabo­-verdiana.

 
 
Com "A NACÃO"

terça-feira, 13 de outubro de 2015

ANTIGA SÉ-CATEDRAL DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

 
A Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, da Ribeira Brava de São Nicolau, foi reconhecida pela Diocese do Mindelo como a Antiga Sé-Catedral de Cabo Verde, num ato consumado pelo Bispo da Diocese, Dom Ildo Fortes, durante a celebração solene da missa da Padroeira do município, que se comemora no dia 7 de Outubro.
 
 
Segundo o Bispo Dom Ildo Fortes “Hoje Festa de N. Sra. do Rosário, num ato solene e emocionante para o povo de S. Nicolau, fizemos o Reconhecimento da Igreja de N. Sra. do Rosário - Ribeira Brava (S. Nicolau) como Antiga Sé Catedral.
«Foi de facto nesta ilha que, tendo acolhido os bispos a partir de 1786, mais tarde o Paço Episcopal e sede do Bispado a partir de 1867, se viria a edificar esta Igreja que serviria da Sede do Bispo, SÉ-CATEDRAL DO BISPADO DE SANTIAGO DE CABO VERDE QUE ABRANGIA AS COSTAS DA GUINÉ [...]” Suportada por uma fundamentação científica, cuja produção esteve a cargo dos eminentes professores Lopes Filho e Baltazar Neves, provou-se que de facto, em 8 de Maio de 1898, o templo de N.ª Sra. do Rosário, foi consagrado como CATEDRAL DA DIOCESE, pelo Bispo, D. Joaquim Augusto de Barros».
 
Criada em 1533, a Diocese de Cabo Verde e Guiné esteve sempre instalada na antiga Ribeira Grande da ilha de Santiago. No entanto, devido às más condições de salubridade daquela região, alguns bispos se mostraram reticentes em ali residirem, levando a que, em certas épocas do ano procurassem alternativas em ilhas com melhores condições climáticas.

 
Foi neste contexto que, em 1786, chegou a S. Nicolau o bispo D. Frei Cristóvão de S. Boaventura, que aí se vai estabelecer, tentando, também, a transferência legal dos bispos e do Bispado, da Ribeira Grande para a ilha de S. Nicolau. Este Bispo, em carta datada de S. Nicolau, em 5/11/1788, endereçada à Rainha, expõe as carências da Diocese e as suas aspirações, sem esquecer de referir a necessidade imperiosa de mudar a sua sede para uma ilha mais salubre. Informa que: “do ardente e doentio do clima são excetuadas quatro ilhas, duas povoadas, a saber: a de S. Antão e de S. Nicolau, e duas não povoadas, a saber: a de S. Vicente e Santa Luzia”.

         Embora na missiva o bispo afirme haver uma Igreja em S. Nicolau, ao escolher este local em alternativa à Ribeira Grande, considerou ser indispensável fortalecer a implantação da Igreja na ilha, com a criação de novos edifícios de culto. Alerta o bispo mais adiante que, face a necessidade de se construir uma Igreja que cumprisse dignamente a missão de Catedral da diocese, bastaria para isso utilizar o espólio de D. Frei Jacinto Valente, que se encontrava então na posse dos administradores da província.

Entretanto, em resposta à súplica do bispo, foi informado pelo reino não haver “ordens para se transferir, nem o governo, nem a Sé de Cabo Verde da ilha de S. Tiago para a de S. Nicolau”. Porém, a Coroa permitiu que o Bispo residisse a maior parte do ano na ilha de S. Nicolau, negando a transladação da Sé, como consta da cópia de um Aviso expedido ao Bispo de Cabo Verde em 20 de Outubro de 1803.

Apesar dos entraves iniciais, acabou por ser Ribeira Brava o sítio escolhido para a instalação do Paço Episcopal, que foi mandado construir junto à Igreja da Nossa Senhora do Rosário. Consta também que, por decisão do Frei Cristóvão, procurando minimizar os custos da instalação, cada família de S. Nicolau deveria colaborar com a dádiva de uma garrafa de azeite de purgueira, cujo lucro final serviria para cobrir despesas várias.

De se referir que relativamente à edificação de templos, D. Fr. Cristóvão iniciou em 1789 a construção de uma nova igreja também sob invocação de N. Sr.ª do Rosário, no sítio da Chãzinha, igreja essa que nunca chegará a ser concluída.

O Bispo D. Frei Cristóvão de S. Boaventura viria a falecer em 20/06/1798 e, a seu pedido, foi sepultado na antiga Igreja de Nª Senhora do Rosário, a primeira a ser edificada nesta ilha e, provavelmente, para uso dos primeiros párocos residentes, sendo coberta de palha até meados do século XVIII altura em que D. Fr. Jacinto Valente promoveu a sua recuperação e ampliação.



Primitiva localização da igreja na “Ladeira d’Greja”, onde se sepultou o Frei S. Cristóvão

Todavia, o seu sucessor, D. Frei Silvestre de Maria Santíssima, ao chegar à Diocese, em 1803, tendo encontrado a Igreja Matriz de S. Nicolau praticamente arruinada decide a mudança da mesma para outro local.

D. Fr Silvestre vai ser responsável pela mudança da antiga Igreja Matriz da “ladeira da igreja” (nome que o local conserva até hoje) para o principal largo da Ribeira Brava, tendo-a aí construído com o dinheiro das suas economias pessoais e com o contributo da população da vila. Esta construção teve início em 18 de Janeiro de 1804 e concluída em 1811.


Aspeto da Ribeira Brava, o novo templo com apenas uma torre - a do sino. Foto: origem desconhecida
D. Fr. Silvestre cometeu a imprevidência de não transladar o túmulo do seu antecessor para a nova Igreja, ficando assim os seus restos mortais dados como desaparecidos até 1942.

Todavia, a aparente situação de tranquilidade que se vivia em S. Nicolau volta a abalar-se quando em 22/11/1813, o Bispo D. Fr. Silvestre faleceu, sendo sepultado na capela-mor da igreja que mandou construir.


Interior da Igreja com Capela-Mor e respetivo Altar e os dois Alteres laterais. D. Frei Jacinto Valente foi sepultado na capela-mor da igreja que mandou construir – Foto  de José J. Cabral
Essa nova igreja seria mais tarde reedificada pelo padre Miguel e por Teófilo José Dias com verba cedida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento.


Nova igreja, reedificada pelo padre Miguel e por Teófilo José Dias com verba cedida pela Irmandade do Santíssimo Sacramento
              Acresce que S. Nicolau viria a tornar-se em algo mais que a residência episcopal, ao obter, finalmente, em 1867, a confirmação para a instalação da Sede do Bispado de Cabo Verde, coincidindo com a chegada do novo bispo, D. José Luís Alves Feijó. Vai ser, de facto, neste ano, que pela primeira vez um bispo pode assinar um documento oficial nos seguintes termos: “Dada e passada em Nossa episcopal residência da Ilha de S. Nicolau, (…) aos 28 de Maio de 1867”.

Outro aspeto de maior relevância para S. Nicolau foi o facto de ter sido este mesmo prelado quem teve o privilégio de abrir o Seminário-Liceu de Cabo Verde.

Convém realçar que mais tarde, a Igreja Matriz foi recuperada, tendo em vista as novas e mais elevadas funções que em breve lhe seriam inerentes. Desta vez, para servir de Sé-Catedral da diocese, vindo a ser inaugurada em 8 de Maio de 1898 pelo Bispo D. Joaquim Augusto de Barros.

Igreja Matriz será recuperada, tendo em vista as novas e mais elevadas funções que em breve lhe seriam inerentes. Desta vez, para servir de Sé-Catedral da diocese, vindo a ser inaugurada em 8 de Maio de 1898 pelo Bispo D. Joaquim Augusto de Barros.

          Refira-se a propósito que desta recuperação nos dá informação um documento datado de 1894, em que se acentua o impulso dinâmico atribuído pela intervenção de Ferreira da Silva e do povo da Ribeira Brava: “ tendo o povo da vila da Ribeira Brava da ilha de S. Nicolau concorrido pelo seu trabalho manual e gratuito para a construção do edifício da Sé desta diocese, seguindo por aquela forma o exemplo do digno prelado e do Vice-reitor do Seminário-Liceu, os quais por seu turno ofertaram materiais importantes para o mesmo fim, cooperando com as obras publicas da província para se levar a efeito a construção daquele templo, como é conveniente para o decoro e respeito pelos atos e crenças religiosas”.

          Como demonstrado, este templo foi recuperado numa conjugação de esforços e necessidades que mobilizaram a intervenção não só do governo da província, a título financeiro, mas também e, obviamente, dos elementos do clero e da população da ilha. Contudo o mesmo conserva ainda alguns lances das paredes primitivas, como é o caso da base da torre sineira, na medida em que, na reconstrução não foram destruídas até ao alicerce.

A outra torre que não fazia parte da traça primitiva, foi levantada nesta altura. Segundo Ferreira da Silva, “começou-se a edificar a Sé-Catedral em 1888, sendo consagrada em Maio de 1898, com as mesmas dimensões que tinha a igreja antiga, obra de D. Frei Silvestre. Ficou com mais pé direito, com o teto estocado e ornado por florões de ‘carton-pierre’, a capela-mor bem ornada de mosaicos e um altar que é obra de arte, feito em Braga. A sacristia do Cabido e a casa capitular estão bem ornadas para paramentos e teto estocados, tem mais uma sacristia para o serviço paroquial, com a suficiente decência. Ficou com duas torres, que não são muito elevadas”.

         Dado que o poder político-administrativo se centralizou de forma férrea e dominadora no arquipélago e, para estar junto dele, o bispo D. Faustino Moreira Santos transferiu a sede do bispado para a capital em 1943/1944.

Do ponto de vista arquitetónico, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi concebida segundo uma planta característica dos templos cristãos da época, mas na cabeceira, em vez de uma cruz latina como era habitual, forma um T. Possui duas torres laterais e no alçado principal apresenta aberturas, portas e janelas concebidas em arco na parte superior, sendo a parte central rematada por um frontão triangular, revelando elementos que traduzem uma estética neoclássica.

Tem elementos decorativos que conferem a beleza que ostenta o referido edifício, como, por exemplo: as pilastras trabalhadas com material endógeno, as molduras das aberturas destacando-se nas mesmas, o recurso com função de chave nos arcos, o círculo no frontal triangular, ladeado de dois outros triângulos que, nos dois lados do mesmo acompanham o formato circular.

Refira-se ainda, que a abertura reservada para colocar o relógio ostenta uma moldura também circular, como continuidade dos orifícios colocados nos coruchéus das duas torres. Com isso quebrou-se a monotonia da parede lisa e houve uma clara intenção, através da decoração dos vidrais das janelas com colorações diferentes, que ao misturarem a luz penetrante no interior do edifício, atribui ao mesmo um carácter místico e sagrado.

As torres são ornamentadas com quatro elementos decorativos na parte superior, dois em cada torre, constituídos por acrotério e fogaréu. Do lado direito da torre há ainda uma cruz terminando em pináculo. Do outro lado, encontra-se inserido no pináculo uma rosa-dos-ventos encimada pela imagem de um galo. A torre da direita evidencia-se como uma sineira e a da esquerda ostenta um relógio que ainda funciona.

No interior do templo encontram-se o coro, o amplo espaço da nave principal, assim como a capela-mor e as sacristias. A parede branca, como símbolo de pureza, realça as decorações dos dois altares, colocados no seu topo e que foram feitos em Braga. Merece destaque o altar-mor tendo como pano de fundo bem trabalhados ornatos, que lembram talha dourada, encimados pelo símbolo do antigo bispado. (Foto 4). Ainda se mantêm nos respetivos espaços laterais os assentos destinados aos cónegos e em nível mais baixo, as bancadas utilizadas pelos estudantes internos do antigo Seminário-Liceu.

Este templo congrega em si três variáveis importantes: o histórico, o arquitetónico e o simbólico. Já abordamos as duas primeiras e no que concerne ao simbólico, para além dos aspetos decorrentes do sagrado, faz também parte da memória coletiva das gentes de S. Nicolau a ilha ter sido a sede do Bispado de Cabo Verde e Guiné e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário ter servido de Sé durante quase dois séculos. Basta ter presente ser na época ainda pequena a sua população, acrescido do facto de ser bastante significativa a presença de muitos sacerdotes, que além da catequese e dos ofícios religiosos, foram os primeiros mestres-escolas, o que contribuiu para a profunda religiosidade deste povo.
 
 
 
Texto de:
Professor Doutor João Lopes Filho
Professor Doutor Baltazar Neves